Era só uma visita de três meses à Riviera Maya e depois seguiria para a Ásia. Isto foi há quatro anos e ainda moro aqui. Descubra o que me fez ganhar raízes.
Em 2016, eu já era trabalhador remoto, mas não sabia que poderia tornar-me nómada digital. Escrevia sentado à janela do meu minúsculo apartamento em Lisboa, até que um mexicano que conheci em Portugal me desafiou a visitá-lo em Playa del Carmen, a cidade-coração da Riviera Maya. Porque não, se podia trabalhar de qualquer lado do mundo desde que tivesse wifi? Arrendei-lhe um quarto por três meses, mas o meu desejo era depois seguir para o Laos, Cambodja e Vietname. Na verdade, ambicionava sentir o choque cultural e idiomático, a gastronomia asiática, que é a minha preferida, e viver num lugar barato como Hoi An ou Siem Reap. O México era atractivo, sim, mas o contraste não era tão dramático. Quando cheguei a Playa del Carmen, em Outubro, nem sequer falava espanhol. Obviamente, já tinha lido sobre Cancún, no meu imaginário uma espécie de Miami do México, para jovens norte-americanos embriagados em spring break, mas soube de imediato que Cancún nem sequer fazia parte da Riviera Maya. Playa del Carmen era-me uma cidade desconhecida, mas parecia mais pitoresca e caribenha nas fotos. Não sabia onde ficava Puerto Morelos ou Tulum, e nem sequer sabia o que era um cenote. Então porque vim às cegas? Pelos mesmos motivos dos turistas: fotos de praias paradisíacas. Mesmo assim, quando entrei no avião directo de Lisboa a Cancún, as expectativas não eram altas. Fique então a saber o que me fez ficar – de vez.
1. A cultura Maya
Os mayas não desapareceram: ainda vivem em aldeias, ou misturados com o resto da população. Quer saber como se diz água em maya? Fácil: é “ha’”. Esta cultura ancestral está representada em tudo: no nome das praias, nas tradições e gastronomia, mas o seu pico civilizacional sobrevive nas ruínas. Cobá, a poucos quilómetros de Tulum, são as minhas preferidas da Riviera Maya, e para encontrar melhores é preciso conduzir umas horas. Não porque sejam tão imponentes como o famoso complexo de Chichén-Itzá, mas porque é como se estivessem em simbiose com a selva. Para circular entre pirâmides, é preciso pedalar – sim, há bicicletas disponíveis. A mais impressionante é Nohoch Mul, uma pirâmide com 120 escadas, 42 metros de altura e bem íngreme. Não é nada apropriada para quem sofre de vertigens, mas chegar ao topo é uma vitória pessoal e a vista sobre a selva é impressionante. Altura de fazer o seu vídeo da praxe e enviar aos amigos. Descer é que é pior, esqueça o provérbio de que “a descer todos os santos ajudam”. Mas talvez as mais pitorescas sejam as ruínas mayas de Tulum. Bem mais pequenas, e nessas não se pode escalar, é difícil não tropeçar em iguanas e em coatís, uns mamíferos bem atrevidos. A paisagem que envolve estas ruínas – o mar do Caribe, azul-turquesa, cristalino, bordeado por palmeiras – é única no México. A visita é rápida e pode fazê-la por sua conta. A Riviera Maya está salpicada de ruínas mayas, e até na ilha de Cozumel, de ferry desde Playa del Carmen, é possível visitar complexos. E surpreenda-se: mesmo zonas residenciais como Playacar, onde vivem expatriados em Playa del Carmen, têm os seus próprios vestígios arqueológicos.
2. Os cenotes
Não há rios de superfície na Riviera Maya e isso, pelo menos para mim, foi uma surpresa. Mas há uma vasta rede aquática subterrânea a que se chama cenotes (que deriva do maya ts’onot, ou abismo). Alguns destes poços são totalmente abertos, outros mais fechados, dependendo se o tecto da gruta colapsou por completo; uns cristalinos e pouco profundos, outros que podem ir a mais de 100 metros de profundidade, perfeitos para mergulhadores e outros aventureiros. Resultado das condições morfológicas e do degelo, a Riviera Maya é profusa em cenotes: entre Cancún e Puerto Morelos, pode seguir a Rota dos Cenotes, um corredor com todo o tipo de grutas, umas mais superficiais, outras mais subterrâneos, como o Kin Ha, o Siete Bocas ou o La Noria. Já entre Playa del Carmen e Tulum, a estrada está ladeada por cenotes, alguns de enfiada, como o Cristalino, o Azul ou o Jardín del Éden. Estes são quase todos abertos, e como na maioria dos cenotes, há uma espécie de pequenos peixes que fazem pedicura grátis, basta pôr os pés na água límpida, cheia de minerais. Aproveite! A Casa Cenote é outro destes lugares mágicos, um complexo enorme de grutas, outros para nadar ao ar livre, entre mangues. Lembre-se: respeite estes lugares naturais quase únicos no mundo. Eram sagrados para os Mayas, serviram de fonte de água potável para esta civilização e alguns foram também usados para sacrifícios humanos.
3. A gastronomia
A Riviera Maya é um conceito bem recente: estende-se desde Puerto Morelos até à Punta Allen, é banhada pelo Caribe, mas como destino turístico só foi criada em 1999. E o que é que isto tem a ver com a gastronomia? Com o boom turístico dos últimos 20 anos, migraram para a Riviera Maya milhares de mexicanos de Guerrero, Veracruz, Yucatán, Tabasco, Chiapas, Sinaloa ou Nayarit. E, com eles, trouxeram o melhor da gastronomia de norte a sul. Para os mexicanos, na cozinha da Riviera Maya, nada sabe como ao original. Se é estrangeiro, como eu, o melhor é ignorar esta rivalidade entre Estados mexicanos. Gastronomicamente, é um paraíso, porque não é preciso viajar para lado nenhum se quiser um pozole verde ou vermelho ao estilo de Guerrero, uma sopa espessa com milho e carne de porco ou de galinha, como os da pozolería Doña Olga, em Playa del Carmen, ou um taco Gobernador de camarão de Las Koras, em Puerto Morelos. São mais dourados, uma delícia. A cochinita pibil é omnipresente, um guisado de carne de porco, marinado em achiote, envolvido em folhas de bananeira e cozinhado num buraco na terra, uma técnica pré-hispânica. Típico de toda a península do Yucatán, pode ser recheio de tamales, tacos, ou até ser comido só com arroz e salada. Como pertence a um Estado jovem, a gastronomia da Riviera Maya é muito similar à do vizinho Yucatán. Predominam as enchiladas, sopa de lima e, como não podia deixar de ser, cocktails e ceviches de camarão. Mas há mais: com os migrantes nacionais, também vieram muitos estrangeiros, principalmente da América do Sul. Assim, a Riviera Maya está repleta de restaurantes argentinos ou uruguaios, com as suas famosas parrilladas, ou venezuelanos, com as suas extraordinárias arepas.
4 . Os parques
Quando vivia em Portugal, achava que nada podia ser mais piroso do que um parque aquático. Mas o México fez-me mudar de opinião. Principalmente, porque nenhum parque da Riviera Maya é exclusivamente aquático, todos de alguma forma estão conectado com a natureza, a aventura ou a cultura mexicana. Se espera um espaço estéril com piscina de ondas, piso de cimento e escorregas, está bem enganado. Xcaret, por exemplo, merece mais do que uma visita. Às suas detalhadas réplicas de cemitérios mexicanos e de ruínas mayas, juntam-se rios subterrâneos, espectáculos equestres e muita vida marinha um pouco por todo o lado. O parque é extenso, e à noite há um show que resume todas as tradições mexicanas, começando pelas pré-hispânicas. Se beber, é obrigatório ir ao parque Xoximilco. É uma verdadeira fiesta mexicana, em balsas por um rio artificial, que inclui comida e bebida à discrição, incluindo muita tequila. Baila-se com música ao vivo, bebe-se e come-se por quase quatro horas e a ideia é sair dali a cambalear, portanto não leve carro. Para aventura aquática, Xel-Ha é uma enorme lagoa que se junta ao mar, com rios onde é possível seguir a corrente numa espécie de bóia ou cruzar a água em cordas. O que é preciso é equilíbrio. Se for do espírito ainda mais aventureiro, há parques como Xplor ou Xenses, com ziplines, todo-o-terreno e até veículos anfíbios.
5. As praias
Nada do que possa ver nas fotos do Google, muitas delas com excesso de filtros, faz justiça ao que poderá ver com os seus próprios olhos. Num todo, a Riviera Maya é uma faixa de selva junto ao mar das Caraíbas. A zona começa em Puerto Morelos, onde as suas praias apresentam uma coloração diferente, entre o azul cristalino e o mais escuro, devido ao recife, um dos maiores do mundo. À medida que se aproxima de Playa del Carmen, a vegetação começa a ser mais tropical, e há uma mistura de praias mais selvagens com praias urbanas. No centro da cidade, praias como Mamitas, Punta Esmeralda (que tem também um pequeno cenote) e Shangri-La, ou até um pouco mais afastadas do centro, como Xcalacoco, há uma variedade imensa de areais. Como são praias urbanas e públicas, estão cheias de locais com geleiras, e também têm clubes de praia, hotéis e restaurantes. Nada disso lhes diminui a beleza. Viajando em direcção a Tulum, começa o típico postalinho do Caribe: as praias com palmeiras inclinadas, como a Playa Paraíso, a baía de Akumal, santuário das tartarugas-marinhas ou o gigantesco areal de Xpu-Ha, com as suas águas azul-turquesa. Xcacel-Xcacelito é um lugar precioso: além da praia, que é protegida, há ainda um cenote, então pode passar o dia entre o mar do Caribe e a gruta de água doce. Quer para as praias, quer para os cenotes, há colectivos (pequenos autocarros) que a cada 10 minutos seguem pela única via rápida que une Cancún a Tulum e que o deixa à entrada das praias ou das grutas. Se quiser aventurar-se selva adentro, até à incrível reserva da biosfera de Sian Ka’An, casa de crocodilos, macacos, jaguares e lagos cristalinas, o melhor é alugar um jipe. É assim que ocupo os meus dias livres, como trabalhador remoto. Logo eu, que sempre fui mais turista de cidade e que achava que a Riviera Maya nunca seria a minha praia.