Sempre alimentei o desejo de ver Lisboa com olhar de turista. Teria obviamente que ser uma experiência extracorporal, porque foi onde estudei, trabalhei e onde comprei casa; onde me apaixonei, várias vezes, pela cidade e por algumas pessoas.
Foram 21 anos a ouvir que Lisboa é fado, sardinha assada e pastéis de Belém; que Alfama e o Castelo, do famoso fado “Lisboa Menina e Moça”, são os bairros-essência de toda uma cidade. Já reconhecia o potencial turístico da cidade além destes limites numa altura em que o mundo voava para Barcelona, Paris e Londres. Tive a oportunidade de regressar em Maio deste ano, depois de me mudar para o México em 2016, numa altura em que a capital portuguesa começava a tornar-se um dos destinos mais procurados. Eu segui em sentido inverso ao dos turistas. Disse adeus à cidade com aquela nostalgia tão particular dos portugueses e prometi voltar com esse tal olhar de quem via Lisboa pela primeira vez. Encontrei outro lugar: uma cidade mais cosmopolita, com restaurantes novos de cozinha internacional ou tradicional com twist, quilómetros de ciclovias, bicicletas eléctricas, trotinetes, tuk tuks e Airbnbs.
Lisboa já não era apenas passado, mas também futuro, embora conservasse aquela decadência que agora atrai centenas de instagrammers, que se fotografam junto aos velhos eléctricos e ascensores grafitados; ou celebridades como Madonna, que ali se inspiram nos ritmos portugueses, africanos e brasileiros, essa amálgama de culturas que sempre foi a alma de Lisboa. A cidade nunca esteve tão vibrante, com tantos prédios renovados, e sobretudo tão aberta para a sua jóia mais preciosa, o rio Tejo, e para o desenvolvimento de certos bairros, como Marvila, Graça, Intendente ou Arroios, que eram apenas residenciais e que são agora um hub artístico e gastronómico. Não sei se em Maio consegui realmente ser turista na minha própria cidade, mas descobri que, felizmente, Lisboa perdeu finalmente essa inocência de “menina e moça”.
Dia 1
Ai, a saudade. Aperta, não é? Um primeiro dia em Lisboa tem de passar obrigatoriamente por Belém. Há anos conheci um brasileiro que trabalhava em Angola e que me contou que preferia fazer escala em Lisboa a caminho do Brasil apenas para poder comer meia dúzia de pastéis de Belém. Mesmo que já conheça, tem de voltar: pelos pastéis mornos de receita secreta, é certo, mas não apenas pelos Jerónimos e pela Torre de Belém. A zona tem outra sintonia com o rio, e é comum ver joggers na calçada ribeirinha e casais a descansar nos jardins. O edifício metálico do novo museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia MAAT, é uma evidência óbvia da metamorfose de Lisboa: orgânico, ondulado e espelhado para criar novas cores ao longo do dia, quase como escamas de sardinha.
O Museu dos Coches também mudou de sítio e está agora em Belém, com as suas carruagens reais ricamente adornadas. Para regressar ao centro, apanhe qualquer eléctrico em direcção ao Cais do Sodré ou à Praça da Figueira, para explorar a cada vez mais ajustada zona Ribeirinha, entre a Praça do Comércio e o Cais do Sodré. Agora, é possível caminhar calmamente desde o Cais das Colunas, por um passadiço de madeira, paralelo a uma praia fluvial de cimento (não aconselhável a mergulhos), até uma esplanada com espreguiçadeiras para o Tejo, um lugar perfeito para leitura ou para uma cerveja. Dali, é um pulo até ao novo Mercado da Ribeira, agora um food court com petiscos dos melhores Chefs portugueses. Se preferir algo mais tradicional, caminhe para as traseiras do mercado, onde ainda há tascas baratas na Rua de São Paulo, que servem bacalhau e cortes de porco ibérico. Parece muito para um dia? Lisboa tem uma característica curiosa: parece gigante no Google Maps, mas na realidade é bem caminhável. E está tudo perto. Tão perto que desde a zona ribeirinha pode subir pela Rua do Alecrim até ao Bairro Alto ou ao Príncipe Real, onde convivem em harmonia restaurantes tradicionais com hamburguerias gourmet, comida asiática ou do Médio Oriente, e até um restaurante italiano do conhecido chef Jamie Oliver. A caminho, passe pelo elegante Palácio Chiado, com uma espumanteria e um leão dourado alado ostensivamente pendurado no tecto. Na zona, há muitas opções que convidam a tomar um copo de vinho na rua, como o Lisbon Winery ou o Bairrus Bodega, lado a lado na Rua da Barroca, no Bairro Alto. Se for acompanhado, siga a tradição portuguesa: saia para disfrutar o vinho e converse de copo na mão.
Dia 2
A Baixa Lisboeta também mudou, e as opiniões dividem-se, se para melhor, se para pior. Subir ao Carmo pelo Elevador de Santa Justa significa hoje esperar algumas horas. A Rua Augusta, o coração da Baixa, tem agora uma mão cheia de lojas dedicadas aos sabores portugueses, das conservas aos pastéis de bacalhau, algumas delas duvidosas pela falta de genuinidade, mas interessantes para um primeiro contacto com estes produtos. Depois de anos encerrado ao público, é também possível subir ao topo do arco triunfal da Praça do Comércio, através de um elevador e de uma escadaria apertada que oferece uma impressionante vista sobre a praça e sobre o traçado paralelo de toda a Baixa pombalina.
De resto, esta Lisboa que reencontrei parece ter sido desenhada para ser disfrutada desde as alturas, com a abertura de inúmeros pátios elevados e de terraços no topo de edifícios. Um dos lugares mais impressionantes talvez esteja nas traseiras do Convento do Carmo, sem tecto desde o terremoto de 1755. Descendo uma escadaria, encontrará um pátio com um bar e um restaurante que tem uma das melhores vistas de Lisboa, para o elevador de Santa Justa, para o Castelo e para a Graça. Ou então deleite-se num dos muitos rooftops que abriram há um par de anos: o Park, com entrada através de um parque de estacionamento na Calçada do Combro, oferece uma das vistas mais espectaculares para a ponte 25 de Abril e para os edifícios que descem até ao Rato; o rooftop do Hotel Mundial abarca o Castelo, o Martim Moniz, o emaranhado de ruas da Mouraria; o Sky Bar é sobranceiro à sumptuosa Avenida da Liberdade, onde há cada vez mais lojas de marcas de luxo. Termine o seu dia a caminhar por essa mesma Avenida, onde há quiosques de refrescos, doces e salgados e suba ao Alto do Parque Eduardo VII para admirar o entardecer cor-de-fogo de Lisboa, que continua a ser um dos mais belos que já vi. E para jantar? Evite os lugares turísticos como a Rua das Portas de Santo Antão – que merece, no entanto, uma visita à mourisca Casa do Alentejo -, e siga para bairros como os Anjos ou a Graça, onde ainda há restaurantes quase só frequentados por lisboetas. Ou, se quiser mesmo ser alternativo – e aventureiro -, no Martim Moniz e na Mouraria há restaurantes indianos e chineses ilegais, onde só é possível chegar com a ajuda de um local, porque não estão sinalizados. Quando os descobrir, guarde segredo e só partilhe com amigos.
Dia 3
O último dia deveria ser para descansar. Se estivesse num destino de praia, seria para o último mergulho ou para um cocktail na piscina. Mas e se em Lisboa se deixasse guiar para descobrir lugares novos? Nos últimos anos nasceram várias opções, e algumas insólitas, como o HIPPOtrip, um autocarro anfíbio que percorre Lisboa e depois entra rio adentro. Ou então poderá descobrir as maravilhas da gastronomia (e do álcool) português. Há ainda vários tours para admirar a arte urbana da cidade, uma das mais interessantes a nível europeu. Mas regressemos ao início, e à descentralização da cidade. Se decidir ir por sua conta, não deixe de visitar Marvila, um antigo bairro operário a caminho do moderno Parque das Nações, que agora tem na Rua do Açúcar o seu epicentro, com galerias, lojas, uma fábrica de cerveja e restaurantes decorados em estilo industrial e vintage. Durante muito tempo um bairro periférico, desprezado, fervilha agora de gente. Assim como os multiculturais bairros de Anjos e Arroios, a metade da Avenida Almirante Reis, e que a imprensa internacional não se cansa de pôr em listas dos bairros mais “cools” do mundo. Eu vivia muito perto, no bairro da Penha de França, e Arroios estava moribundo, sobretudo uma das suas principais artérias, a Morais Soares. Agora, tem das melhores livrarias de Lisboa, gelatarias artesanais, e um mercado que abriga um dos restaurantes mais populares da cidade, o Mezze, onde cozinham famílias de refugiados sírios. É obrigatório reservar mesa.
Se ainda tiver tempo (há Uber em Lisboa), mais fora do centro, descubra maravilhas arquitectónicas como o Aqueduto das Águas Livres ou descanse na relva do Jardim da Estrela, junto à Basílica do mesmo nome. Escolher o que visitar no último dia em Lisboa é um risco, porque há sempre tantos lugares que ficaram por descobrir. Mas não se preocupe: se não conseguir fazer nada disto, sente-se numa esplanada, respire o ritmo tranquilo da cidade frente a uma bica e a um pastel de nata e prepare o seu regresso. Perderá esse olhar inocente de turista numa próxima visita, mas é na familiaridade que realmente encontramos Lisboa.